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terça-feira, 24 de março de 2015

Para refletir...

Imagem de canela-de-ema (Vellozia squamata) na Estação Ecológica de Arêdes.

Olá a todos! Hoje, refletiremos sobre uma excelente síntese da história da ganância humana! 

Fazendo a diferença. Para pior.

Pense na diferença que a atitude positiva de uma pessoa pode fazer na sociedade. Coisas até mínimas. Por exemplo, a pessoa pode doar algum dinheiro, ou usar o seu tempo livre, para ensinar alguma coisa a alguém ou ajudar uma instituição.

Claro que pessoas ricas podem fazer mais: foi o caso do empresário nova-iorquino John Paulson, que anunciou uma doação de US$ 100 milhões para o Central Park. A maior doação já feita para um parque nos Estados Unidos.

Paulson se emocionou falando à imprensa: “No fim de semana passado, no Central Park, eu vi bebês em carrinhos, crianças brincando, casais de mãos dadas, cachorros, músicos tocando, pessoas correndo, andando de bicicleta, vi pessoas de todo o mundo conversando e rindo. Eu pensei comigo: ‘O Central Park é um paraíso provavelmente como nenhum outro no mundo”.

No final de 2014 foi divulgado o “World Giving Index 2014”, uma espécie de ranking mundial das doações de dinheiro e de tempo pelas pessoas. Estados Unidos e Mianmar lideram a lista. O Brasil aparece no final da lista, em 90º lugar. Por quê? Reviro textos buscando pistas.

A alemã Sylvia Nasar é jornalista, economista e quase uma historiadora da Economia. Sylvia escreveu “Uma mente brilhante”, cuja adaptação para o cinema você já deve ter visto. E publicou também o ótimo “A imaginação econômica” (Companhia das Letras, 2012). Neste livro ela nos revela que Karl Marx escreveu as suas críticas ao livre mercado e à indústria sem jamais ter pisado em uma fábrica (?!).

Começam aqui nossas dificuldades: a academia brasileira, paga para pensar as questões nacionais, prefere se distrair no século XIX debatendo textos confusos do barbudo. Aí resta a alguns economistas e jornalistas – e até a um físico – tentar entender porque o país dá tão errado.

Encontro o conceito de rent-seeking (caça à renda). Acontece quando um grupo de pessoas se organiza e se esforça, gastando tempo e/ou dinheiro, para tentar garantir uma renda econômica para si. Um dos problemas do rent-seeking é que ele não torna a sociedade mais rica, ele apenas subtrai da sociedade alguma coisa, em benefício de um grupo.



Área da Estação Ecológica de Arêdes antes e depois da instalação de estrada particular da empresa Vale.

O rent-seeking prospera no Brasil. Por exemplo, no setor automobilístico (beneficiando empresas e empregados, e encarecendo os carros), no setor público (servidores que conseguem benefícios, onerando os contribuintes) e na questão das áreas verdes (que servem a nós todos, mas são sempre cobiçadas por um particular).

Por volta de 1975 uma inusitada operação de rent-seeking aconteceu na área tombada da Serra do Curral. O poderoso Golbery do Couto e Silva, ministro-chefe da Casa Civil no Governo Ernesto Geisel, sofreu um descolamento de retina grave e recebeu auxílio do oftalmologista mineiro Hilton Rocha. Nesse contexto, Hilton Rocha obteve do ministro, de graça, uma área preservada e tombada da Serra do Curral e a autorização para ali erguer a sua clínica particular. Fácil: o homem certo fez os telefonemas exatos e subtraiu de Belo Horizonte uma fatia de seu patrimônio.

40 anos depois, somos uma democracia e temos novas instituições, mas o rent-seeking se sofisticou. Agora é um rico grupo empresarial, articulado com os três níveis de poder, amparado em arquitetos e consultores de luxo. O plano? Tomar posse das ruínas da clínica de Hilton Rocha e usar a área pública e tombada da Serra do Curral para fazer o seu hospital. Com o dobro do tamanho do anterior.


Imagem de ruína de Arêdes.


Bem que o Centro de Memória da Medicina tentou fazer a diferença para melhor: propôs a demolição do prédio, ficando no local apenas pequeno marco de homenagem ao oftalmologista.

Mas tudo já está aprovado – ninguém viu as pilhas de leis que vetam essa manobra. Encontro uma das respostas: quem faz a diferença para pior está ganhando o jogo.

E o Conselho Municipal de Meio Ambiente? O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional? O Instituto dos Arquitetos do Brasil?

Retratos na parede, diria o poeta.


Fonte:

Paulo André Barros Mendes
Geógrafo e jornalista, colaborador da ONG ARCA-AMASERRA

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